Canseira
Canseira é uma coisa do reino animal. Quando eu era menino e fui com um grupo num passeio, na carroceria de um caminhão, um cão seguia correndo atrás. Alguém do grupo disse: Pessoal, olhem esse cão seguindo o caminhão.
O dono então falou: É o meu cão e sempre faz isso, mas logo ele vai cansar e parar. Depois de um tempo o cão foi ficando distante até sumir. Quando eu servi no exército foi feita uma maratona de dez mil metros. No começo todos corriam muito bem, e alguns logo tomaram a dianteira. Depois de mil metros o quadro mudou. Os que iam na dianteira foram cansando e ultrapassados por outros de maior preparo físico. Depois de cinco mil metros percorridos muitos que ficaram para trás iam caindo desfalecidos e sendo recolhidos por um caminhão.
A respeito de Deus o profeta Isaías declara: “Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, Jeová, o criador dos fins da terra, não se cansa nem se fadiga?” (Is. 40:28). É o que nós também pensamos; Deus, o criador de tudo, sendo eterno não pode se cansar. Só o que é corruptível cansa. Um atleta que corre cem metros em dez segundos, ou pula seis metros com vara, aos oitenta anos cansa em qualquer subida. Mas Deus não é assim. Deus é espírito e espírito não cansa.
Entretanto lemos alguns textos no Velho Testamento difíceis de digerir, por exemplo: “Assim os céus e a terra e todo seu exército foram acabados. E havendo Deus acabado no sétimo dia a sua obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia. E abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra, que Deus criara e fizera” (Gn. 2: 1-3). Os doutores e teólogos da Igreja dão a seguinte explicação sobre o assunto: A palavra descanso não tem o sentido de fadiga por esforço, como acontece com o trabalhador do campo, que no fim do dia está esgotado e precisa dormir. Descanso quer dizer obra concluída. Cessou a obra da criação. Esta explicação não convence ninguém, pois quatro mil anos depois; Paulo, o apóstolo, revelou o seguinte: “Se alguém está em Cristo, nova criatura é, as coisas velhas passaram; eis que tudo se fez novo” (II Co. 5:17). “Porque somos feitura sua, criados em Jesus Cristo para as boas obras; as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef. 2:10). Pelas palavras de Paulo, a criação do Pai começava quando a de Jeová terminava. E a criação do Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo também não começou com a de Jeová, pois São Tiago, na sua Epístola Universal, diz: “Toda boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação. Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas” (Tg. 1:17-18). Primícias são os primeiros frutos da terra. Sendo assim, os primeiros homens criados por Deus Pai, só vieram à luz através de Jesus há dois mil anos atrás, e Jesus é o princípio da criação de Deus (Ap. 3:14; Cl. 1:15).
Voltando ao cerne da questão, como Deus não cansa, e a respeito de Gn. 2:1-3 a teologia afirma que não se trata de canseira de Deus, queremos citar um versículo: “Guardarão pois o sábado os filhos de Israel, celebrando o sábado nas suas gerações por concerto eterno. Entre mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre; porque em seis dias fez Jeová os céus e a Terra , e ao sétimo dia descansou, e restaurou-se” (Ex. 31:16-17). Se Jeová se restaurou foi porque estava cansado, e assim Jeová é um deus antropomórfico, isto é, tem forma humana. É por isso que em Gn. 1:26-27, o homem foi criado à imagem e semelhança de deus, pois o que o criou era parecido com o homem, isto é, cansava e tinha necessidade de se restaurar da canseira. Mas o amor do Pai não cansa.
O segundo ponto a considerar é sobre o espírito de Jeová, pois Isaías diz: “Por que para sempre não contenderei; nem continuamente me indignarei porque o espírito perante a minha face se enfraqueceria.”Quem desfalece é porque cansa, o espírito de Jeová desfalece e cansa da mesma maneira que seu autor. Quando o espírito desfalece ou enfraquece, essa canseira é interior. A canseira interior é própria de quem se sente incapaz de realizar uma obra até o fim difícil. Moisés, servo de Jeová, notou esta falha de seu deus antropomórfico no caso do bezerro de ouro. Leiamos o texto: “Agora pois deixa-me, que o meu furor acenda-se contra eles, e os consuma, e eu farei de ti uma grande nação. Porem Moisés suplicou a Jeová seu Deus, e disse: Ó Jeová, porque se acende a teu furor contra teu povo que tu tiraste da terra do Egito com grande força e forte mão? Porque hão de falar os egípcios, dizendo: Para mal os tirou, para matá-los e destruí-los da face da terra. Torna-te da ira do teu furor, e arrepende-te deste mal contra teu povo” (Ex. 32:10-12). Em outra ocasião Jeová se enfureceu e novamente queria destruir seu povo. Moisés disse:“Os povos falaram de ti dizendo: porquanto Jeová não poderia pôr este povo na terra que lhes havia jurado, por isso os matou no deserto” (Nm. 14:15-16).
Jeová é um deus que se cansa facilmente, e de muitas maneiras. Vejamos a sua queixa contra seu povo Israel antes do primeiro cativeiro: “Não me compraste por dinheiro cana aromática, nem com a gordura dos teus sacrifícios me encheste, mas me deste trabalho com vossos pecados e me cansaste com tuas maldades” (Is. 43:24; 1:14). Com o Deus Pai é diferente. Quantos mais pecam os homens, maior a compaixão paterna. Por isso Paulo escreve: “Onde abundou o pecado superabundou a graça” (Rm. 5:20). Mas continuemos a ver as canseiras de Jeová.
Jeová, o deus que afirmou não se arrepender, vivia se arrependendo. Se arrependeu de criar o homem(Gn. 6:6). Disse que ia destruir Israel e depois se arrepende do mal (Ex. 32:10-14). Colocou Saul como rei de Israel e depois se arrependeu (I Sm. 15:35; 9:16-17). Jeová fez o mal a seu povo e depois se arrependeu: “Se de boa mente ficardes nessa terra, então vos edificarei, e não vos destruirei; e vos plantarei, e não arrancarei; porque estou arrependido do mal que vos tenho feito” (Jr. 42:10). O profeta Amós narra o seguinte: “O Senhor assim me fez ver; eis que formava gafanhotos no princípio do rebento da erva seródia. E aconteceu que, como eles tivessem comido completamente a erva da terra, eu disse: Senhor Jeová, perdoa; como se levantará agora Jacó? Então Jeová se arrependeu disso. Assim me mostrou o Senhor Jeová, e eis que Jeová clamava, que queria contender no meio por fogo: e consumiu o grande abismo, e também queria consumir a terra. Então eu disse: Senhor Jeová; cessa agora; como se levantará Jacó? Pois é pequeno. E Jeová se arrependeu disso: Nem isso acontecerá disse Jeová. E mostrou-me também assim; eis que Jeová estava assentado sobre um muro levantado a prumo, e tinha na sua mão um prumo. E Jeová disse: Que vês tu Amós? E eu disse: Um prumo. Então disse Jeová: Eis que eu porei o prumo no meio de meu povo Israel; nunca mais passarei por ele” (Am. 7:1-9). Samuel disse que Jeová não mente nem se arrepende, e isso não é verdade (I Sm. 15:29). Balaão, o profeta louco disse o mesmo (Nm. 23:19). Balaão afirmou que o que Jeová diz, confirma realizando o que disse. Isto é mentira. Todas estas vezes que Jeová se arrependeu foram coisas que garantiu antes prometendo ou jurando.
Jeová se arrependeu tantas vezes dos males que fez, que cansou de se arrepender: “Tu me deixaste, diz Jeová, voltaste para traz; por isso estenderei a minha mão contra ti, e te destruirei; estou cansado de me arrepender” (Jr. 15:6).
Autoria Pastor Olavo S. Pereira